"Eu só queria saber se você deixou de acreditar em mim!" - Ele disse, e certamente era o que estava sufocado no peito.
Perdido como uma formiga no oceano tentava embaralhar mais um pouco as informações na cabeça com a esperança de que voltassem ao seu lugar habitual. Mais uma, uma outra, mais tantas vezes e ele se entregava ao chão do seu cansaço.
"Eu só queria saber se você ainda tem fé!" - Berrava tantas e tantas vezes ao vento, ao espaço antes prova viva da presença de uma respiração serena, de um olhar enigmático.
Urrando entre um intervalo e outro dos seus acessos de pânico e raiva, fitando os próprios pés - de um sapato surrado, um produto barato - e as mãos, rezando baixo uma prece lamentável, que insistia em pedir, e pedir.
De joelhos ele sentia cada gota de uma chuva calada, de uma dor que seguia sem grandes atuações, de uma surpresa que não surpreendia, da linha constante que até no pranto era sempre tão constante. É porque doía, como nenhuma arma poderia causar, e nenhum remédio poderia curar. Era uma revolta que passava em branco para o mundo inteiro, era um episódio que não modificava em nada a história da população. Uma carga infinita para apenas um cidadão desfavorecido de força.
A vida não podia, não tem tinha esse direito, o combinado era um aviso prévio, alguns poucos e bons momentos para se preparar e aceitar - desacreditar na vida - e por fim deixar com o tempo.
Na teoria existe a perfeição, mas a vida nunca foi muito boa em jogos.
Jogou todo o seu peso e caiu na lama sem muita pretensão, olhou para o céu e esperou vir alguém, algum, qualquer um, qualquer ajuda. Só precisava de um pouco de explicação, talvez alguns momentos sem a rotação da terra, só alguns momentos realmente e literalmente dele.
"Você perdeu a fé em mim não foi?" - Disse sem mais, quase inaudível.
Olhou sem muita pretensão o céu, e se calou. Ouvia-se apenas o barulho da chuva a fazer a sua sinfonia. Ele respirou como quem não queria existir, respirou fundo na esperança de uma fuga, e não se mexeu para esquecer que ainda tinha um corpo. Ele já sentia falta, ele já entendia o vazio de si mesmo. Era a ausência antes presente, era a presença de uma ausência agora tão persistente.
Os olhos enigmáticos, o sorriso sem compromisso, o jeito simples de fazer birra, o jeito fácil de fazer apaixonar.
Ali, deitado junto à chuva, ele lembrava o quanto nunca gostou da matemática, e o quanto ela sempre se fez presente (nas horas erradas) na sua vida. Essa geometria não fazia nenhum sentido, era o típico problema matemático que qualquer um teria vontade de jogar pela janela e começar um caso amoroso com o professor por uma boas notas no final do ano. Sua vida mudara assim, sem muito explicar, 360 graus e sem livro algum para estudar. Foi um golpe baixo, que veio apenas para desequilibrar o que ele levava suavemente pelos dias que corriam. Derrubara tudo o que mais amava, e depois deixou-o ao léu, na falta de mudança de uma dor constante e invisível ao mundo.
No pensamento o desespero, a esquizofrenia de uma mente violada, a sangria sem fim das lembranças que já iam se apagando e jamais poderiam ser refrescadas outra vez. Ele estava furado, e sentia cada gota da sua metade se esvair, indo por entre os dedos, por entre os braços, juntando-se a lama e por fim sumindo no ar. Repassando seus olhos por cada pedacinho de espaço, e se perguntando entre os soluços do seu choro apertado - "Onde você está?".
Não havia a mínima possibilidade de acreditar, essa dor não fazia sentido, esse dia não fazia sentido, essas lágrimas e a chuva, nada fazia sentido. Ele se recusara a acreditar, e naquela poça de lama que já se formava a sua volta, ele repetia para si mesmo, que esse pesadelo um belo dia iria passar.
"Me responde, não me deixa assim!" - Ele tentou mais uma vez, e inconformado lutou contra essa piada sem graça, se questionando sobre essa dificuldade de falar com quem até então fazia fluir todas as palavras.
E foi ali, no chão, na chuva, que ele se sentenciou (ou foi sentenciado) a viver a ausência da presença. A presença da ausência de uma dor.
Uma mente que ia consolando o próprio cansaço, que ia ser recompondo e aprendendo a própria lição não ensinada, tentando colocar qualquer coisa no lugar, qualquer mínimo detalhe que permitisse a dignidade de se por em pé. As horas foram passando, a chuva já não mais gritava o seu silencio do lado de fora, ela estava dizendo que já acabara o tempo, o show chegara ao fim, e não era mais adequado permanecer. O mundo e todo mundo precisava continuar a vida, e o corpo caído na lama de alguma forma ia contra o tráfego dos que já podiam ficar de pé. A falta, as palavras amarguradas, e o homem que sente à ausência. O fim de um luto que tinha hora marcada para acontecer e desacontecer, e o desafio inoportuno de se erguer mais uma vez. Tentar continuar a encarar os dias, e entender que essa deficiência não é o direito deixar passar com o vento, e que a sobrevivência vai com a dor que parece deixar impossível o ato de respirar.
"Se o homem foi feito para nos ser privado, de que vale a presença de um alguém que logo mais irá sem aviso algum? De que vale o apego? Se o que nos resta é esse desemprego de nós mesmos."